sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Dezenove

    ''Somos boêmios'', ouvi dizer. Admiradores nada secretos daquela poesia rasgada e incompreendida. Acadêmicos comuns; almas de artista. Sonhos de bossa nova, gostos antigos. Corações que pulsam com versos e mais versos. Corações que se lembram dos detalhes: Uma mecha de cabelo afastada, delicadamente, do olho. Um sorriso sacana ocultando (ou tentando ocultar) as vontades que habitam. Uma caminhada a dois numa cidade diferente ou ali mesmo, perto de casa, até o mercado.
      Acima de tudo, somos a prova viva de que a loucura é bem-vinda. O gosto da juventude pairando na ponta da língua e tudo mais. De viagens e uma casinha pequena e aconchegante. Um jardim, por favor! Somos boêmios-girassol. É que o sol gira, sem pausa, quando teimosia com fé se encontram paralelamente no infinito (não foi isso que me contaram? Que duas retas paralelas se encontram no infinito? Enfim, sempre me soou eloquente feito beijo roubado no banco em frente a biblioteca). 
      Somos autores, músicos, pintores, somos saltimbancos desse mundo empoeirado e cheios de nós, todo virado, gritando um socorro sufocado pela nuvem do esquecimento. Somos o que quiser entre quatro paredes ou sem parede alguma, continuamos a criar notas com os cílios quando os olhos piscam como que dizendo ''Eu sei''. Somos o próprio risco que corremos em sermos diferentes. E o prazer de nadar contra a corrente, claro.
     ''Que eloquência!'', ainda me recordo da voz daquele professor americano dos cabelos branquinhos me descrevendo com um sorriso estampado no olhar. ''Você, com certeza, não é uma oradora. Mas, uau, que eloquência''. É isso. Somos também as reações mais lindas que provocamos quando menos esperamos. Uma moça que nos dá lugar no ônibus para que possamos sentar juntos. Um amigo que imprime uma foto. Uma reprodução muito parecida - e com bastante potencial - daquilo que acreditamos e defendemos. Os cuidados e carinhos repentinos. A febre, as planilhas, o céu aberto, o céu nublado. A linha tênue entre o oposto e o perfeito. Somos um delírio do amor.


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